ANNO II | O ENSINO | NUM. 3
Publicação da Inspectoria Geral do Ensino do Paraná
Curityba, Outubro de 1923. ________________________________________________________________________
A questão do analphabetismo
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Torna-se cada vez mais palpitante a questão da lucta contra o analphabetismo no Brasil.
Discute-se a questão no Congresso Nacional.
Dois congressos já se realisaram no Rio: um de ensino primario e outro para tratar de assumptos relativos ao ensino secundario e superior.
A Liga Nacionalista de S. Paulo empenha-se por despertar, cada vez mais, o interesse que essa campanha deve merecer, principalmente por parte dos governos. Já se dirigiu ao Chefe da Nação. Pediu a S. Paulo o seu valioso apoio e a cada Estado o seu indispensável concurso.
A autorização legislativa, contida no vigente orçamento da Republica, consigna um credito de 500:000$000 para organizar e executar um plano da diffusão do ensino primario.
A imprensa de todos os matizes transcreve, diariamente, noticias, medidas, estatisticas relativas á campanha pela alphabetização da nossa infancia.
As revistas, principalmente de educação, dão agazalho a artigos sobre tão palpitante assumpto. Pedem uns escolas elementares para as creanças de 7 a 14 annos. Propõe outros que se adopte uma edade para o ensino obrigatório: dos 9 aos 10 annos, por exemplo, ficando os de 11 e 12 annos para mais tarde, para quando adultos, freqüentarem as escolas nocturnas. Outros são mais exigentes: querem instrucção em massa para as creanças de 7 a 14 e para todos os adultos que ainda não saibam ler.
“Urge ensinar aos adultos, já e já, diz o professor Araujo Lima; trazer, ao nosso seculo e á nossa civilização, a maior porção do nosso povo, que jaz recuado para muito, na evolução social moderna”.
Para estimular as idéas em relação ao assumpto, a Academia Nacional de Letras, cumprindo a vontade do seu protector, o livreiro Francisco Alves, abriu um concurso para premiar a melhor obra sobre o meio mais facil de se divulgar o alphabeto. Muitos trabalhos foram offerecidos para que a commissão nomeada os julgue e classifique.
As idéas, em geral, apresentadas e discutidas, giram sob estes dois pontos: creação de escolas em numero proporcional á população infantil de 7 a 14 annos ; intervenção do Governo Federal na direcção e manutenção dos cursos primarios em todo o paiz.
São estatisticas as armas que os paladinos da alphabetização empunham mais ardentemente e de preferencia.
Para uma população approximada de 6.137.121 creanças de 7 a 14 annos, temos apenas escolas publicas e particulares para 1.801,381.
Necessitamos, pois, _ conclusão, de escolas para 4.335,740 creanças.
Preferimos determinar a edade escolar dos 7 aos 14 porque é esse de facto o período que deve ser adoptado no Brasil. O nosso povo manda os filhos á escola dentro desse limite, conforme se verifica em toda a parte.
Determinar um periodo menor seria incorrermos em dois erros. Em primeiro logar privariamos de instrucção os retardatarios, isto é, os que deixaram passar inutilmente a melhor edade escolar. Em segundo, prohibiriamos muitas localidades pequenas de ter escolas, por falta de frequencia.
Facil é calcular qual a despeza exigida para satisfazer taes necessidades.
Facil é também avaliar o exercito indispensável de professores para o provimento de tantas escolas.
Teriamos dinheiro para custear tudo isso?
A ninguem é dado contestar que as estatisticas conhecidas e publicadas deixam de se approximar, e muito, da verdade.
Não sabemos, de facto, qual seja a população infantil que frequenta escolas publicas e particulares em todo o territorio brasileiro. Mesmo onde esse serviço é feito com mais ou menos cuidado, há falhas a corregir. Pelo sertão a dentro e até nas capitaes funccionam pequenas escolas que as repartições publicas ignoram e que são bastante frequentadas. Não nos esqueçamos de levar também em conta as creanças que, em casa, são ensinadas, ou por seus paes e irmãos, ou por professores contractados. Tudo isso é ignorado pôr quantos trabalham na direcção e fiscalisação do ensino.
As cifras, pois, apresentadas em publico para servir de base ás idéas que andam por ahi sobrenadando em artigos de jornaes e de revistas, são falhas e muito contribuem para augmentar, no papel, o numero dos que, em nosso paiz, são privados da escola.
Vae para poucos mezes, a Liga Nacionalista de São Paulo, instituição no nosso povo, deu o Paraná como instruindo, em 1922, pouco mais de 25.000 alumnos, quando na verdade o nosso Estado deu instrucção a 45.000 creanças approximadamente.
Tendo eu protestado contra tão lamentavel engano, apressou-se a Liga em responder-me que acceitava a rectificação, mas que os dados colhidos forma publicados pelo Diario Official da União, citando até o numero da edição.
Está ahi uma prova do que são as nossas estatisticas em materia de ensino.
Consideremos agora a nossa extensão territorial; a disseminação das populações pelo sertão afóra e nos convenceremos de que ignoramos o que se passa em cidades, villas e logarejos que distam dezenas de leguas uns dos outros.
Si as estatisticas não são exactas, de maneira a poderem informar, com segurança, qual o nosso estado de alphabetização, muito menos exactos são os calculos que fazemos para exigir do Governo escolas em numero sufficiente para o total da população infantil.
Nenhum paiz do mundo mantem escolas para a sua população global de 7 a 14 annos.
Os Estados Unidos são um exemplo de que nos devemos servir para o nosso caso.
Antes de tudo, examinemos a questão pelo seu lado pratico:
Todas as creanças de 7 a 14 annos podem, ao mesmo tempo, freqüentar a escola primaria ?
Está bem visto que não. Umas procuram as aulas mais cedo. Outras só depois dos 9, 10, ou 12 e 14 annos é que se iniciam no aprendizado das primeiras letras.
Muitas, aos 9 e 10 annos já deixam a escola, contentando-se com o que aprenderam em 2 ou 3 annos de curso. E quantas, dos 10 aos 14 annos, frequentam os gymnasios, cursos intermediarios e escolas profissionaes ?
Haverá quem conteste esta affirmativa?
Não transparece de tudo isso, que muitas creanças deixam a escola em tenra edade, depois de soffrívelmente apparelhadas para as primeiras e mais urgentes necessidades da vida ?
Não é também real e verdadeiro que uma boa parte, dos 10 aos 14, espera occasião opportuna para frequentar as aulas ?
Onde houver, portanto, 100 creanças entre 7 e 14 annos, uma escola é perfeitamente sufficiente para satisfazer as necessidades locaes. Emquanto umas frequentam as aulas, outras esperam a sua vez. Concluido o aprendizado de uma turma, outra porção vem substituir que já deixou os bancos escolares.
Vejamos o exemplo dos Estados Unidos.
Para uma população de 110.000.000 de habitantes, deve haver approximadamente 22.000,000 de creanças de 7 a 14 annos.
Frequentavam as escolas, publicas e particulares, em 1922, entre 5 e 19 annos, 19.451.851 alumnos. Desses, 2.117:468 pertenciam aos cursos secundarios e 300.000 ás Universidades e escola superiores.
Deduzidas essas cifras, ficam para os curso primarios 17:034.383 alumnos.
Podemos calcular 10 % para os Jardins da Infancia e Escolas Maternas, onde, como se sabe, a edade vae dos 4 aos 7 incompletos. Restam 15.320,845 creanças que recebem instrucção nos cursos elementares mantidos pelo Governo dos Estados Unidos não mantem por sua conta exclusiva escolas para 15.320.845 creanças entre 7 e 14 annos, pois uma boa porção pertence ás escolas particulares.
Apezar, porém, de tão elevadas cifras, ainda assim restam cerca de 6.679.000 creanças que não frequentam escola alguma.
Podemos considerar esse numero de creanças, (superior á população infantil do nosso paiz),_figurando como analphabetas ?
Si se tratasse do nosso Brasil, ninguem duvidaria em responder affirmativamente. Tratando-se, porém, da grande Republica do Norte, todo o mundo sabe que lá não há analphabetos. Essas creanças, pois, devem ser consideradas como já tendo concluido os cursos primarios.
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No nosso caso, o que reclamam os batalhadores pela disseminação do alphabeto ?
Um numero de escolas para a população total entre 7 e 14 annos, o que não é possivel, nem necessario.
O Brasil precisa de escolas para 3.000,000 de creanças, metade de sua população infantil, e no dia em que puder realisar tão grandiosa quão patriota empresa, entraremos definitivamente para a vanguarda dos povos livres do analphabetismo, pois nos encontraremos em condições de alphabetizar toda a nossa população em edade escolar, dos 7 aos 14 annos.
Terão, pois, os Governos de todos os Estados necessidade de crear e manter escolas para completar o numero de alumnos que faltam actualmente para os 3 milhões de creanças ?
Ainda desta vez respondemos pela negativa, pois os crusos particulares, em regra geral, se encarregam de alphabetisar de 20 a 30 creanças para cada 100 mantidas pelos cofres públicos. No nosso Estado, pelo menos, verifica-se essa proporção.
De tudo quanto acabamos de expôr, resulta mui claramente que não somos a Analphabetolandia imaginada pelos pessimistas, e isso porque nenhum paiz do mundo mantem escolas- publicas e particulares, para a sua população global de 7 a 14 annos. Não nos esqueçamos que, alem das creanças que freqüentam escola publicas e particulares, em numero superior ao consignado nas estatisticas, muitas, mas muitas, já concluíram o aprendizado e deixaram a escola primaria.
Contra a linguagem impressionante, mas inveridica das estatisticas, offereçamos todos nós as considerações que ahi ficam, positivas e insophismaveis. No Brasil, hoje em dia, já se toma a serio o ensino das primeiras letras. Nas cidades e nos grandes povoados póde o povo em geral contar com escolas para seus filhos. Nos sertões, infelizmente, tal não se dá, mas, pelo menos, existe o desejo indomavel de seus habitantes, de instruir os filhos, razão porque reclamam escolas.
Cumpre-nos, pois, pedir a todos os Governos dos Estados e ao próprio Governo Federal, que se decidam por encarar com o maximo interesse a nossa situação, sem desfallecimento nem pessimismo, mantendo as escolas para a metade de sua população infantil de 7 a 14 annos, distribuídas com critério pelos differentes pontos de seu território e com uma fiscalisação que garanta o mais regular funccionamento, para mais seguro exito.
Não há negar que no Brasil os nossos homens publicos cuidam mais do ensino secundario e superior, E’um erro despender-se muito dinheiro com esse ensino, pois que há uma grande maioria que cresce e começa o formar-ser para a vida, alheia ás primeiras luzes do alphabeto.
Os estabelecimentos de curso secundario e superior têm recursos para manter-se, mediante taxas de matricula aos seus freqüentadores, os quaes, na sua grande maioria, podem pagar.
A escola primaria deve ser sempre a preferida, porque destina-se ao povo, e a instrucção deste é, taxativamente, obrigatória pelos cofres da Nação.
Cesar Prieto Martinez.
A MULHER E O ENSINO PRIMARIO
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A mulher tem concorrido muito para a obra da educação. Ninguem pode negar ou desclassificar o que ella tem feito e vem realisando atravez dos tempos. Ahi está aos olhos de todo o mundo a instrucção primaria de todo o Paiz. E’ exacto, também, que o homem tem emprestado a sua valiosa cooperção, é exacto que, também, elle trabalhou em pról do mesmo ideal.
Mas, o que não se contesta é que a mulher fez mais, porque sendo em maior numero produziu mais, attestando com isso, que ella, e talvez só ella, pode satisfactoriamente resolver o problema da instrucção primaria.
A mulher, quasi sempre, é paciente, dócil, meiga, e, assim sendo, pode conquistar melhor a estima das crianças, pode, com mais facilidade, insinuar-se em seu espírito e transmittir-lhe o saber. A brandura na phrase e no gesto, a bondade, enfim, produz milagres.
O homem, por ter nascido para o “struggle for life “, para a lucta pela vida, tem, no geral, o coração mais fechado do que a mulher a todos os sentimentos. A mulher, ao contrario, é carinhosa, emquanto que o homem interpretando a vida por outro modo se abstem, inconscientemente, de certos sentimentos, não podendo, em summa, educar com a mesma facilidade que a mulher.
Si, por um lado, ella muito tem feito, e lhe devemos toda nossa gratidão, o nosso respeito, por outro lado não podemos deixar de distinguir duas phases na vida da mulher, nas quaes os seus trabalhos, as suas producções se differenciam, notavelmente.
A primeira, emquanto solteira, a segunda, depois de casada, apresentam distincção notaveis. Quando solteira, a mulher por não ter affazeres domésticos, não se encontrando a frente de um lar, vivendo sem grandes preoccupações e responsabilidades, alegra-se com o trabalho que lhe empolga o espírito, e lhe proporciona verdadeiras satisfações e alegrias. Não deixam de vir á aula, e geralmente satisfazem as suas obrigações com os melhores resultados, porque, pouca coisa deve preoccupar-lhe o espírito.
A mulher casada, professora, deixa no lar os seus filhos, e vem á escola, ás vezes, (e quantas!) visivelmente incommodada, abatida. Os cuidados e receios naturaes de uma mãe invadem-lhe o coração e a alma. E como se pode leccionar assim? O resultado dos seus trabalhos, embora realisados com a melhor das boas vontades deixa muito a desejar. As suas responsabilidades são innumeras. Só a preoccupação do lar, o desmazelo das creadas, os filhos que se encontram longe de suas vistas, ás vezes doentes, reclamando-a,_noites inteiras, junto ao leito, tudo isto impede que a mulher casada possa satisfazer, plenamente, as exigencias do ensino primario.
Por esses motivos, acima explanados, nos Estados Unidos as mulheres só podem entregar-se ao magisterio emquanto solteiras. Depois que se casam são obrigadas a deixal-o. Assim, são o proprios collegios particulares americanos, dentro e fóra do territorio yanke.
No Brasil, a instrucção primaria não pode adoptar o mesmo regimen, pois que, falta-nos gente que possa educar com,proveito e resultado. A diffusão do ensino em todo o territorio patrio precisa da collaboração de todos, desde os particulares e até mesmo do extrangeiro !
Não se pode e nem podemos seguir a trilha dos americanos do Norte. As nossas condições de progresso, de meio, de população, etc., são bastante diversas. Por isso mesmo que as mulheres, em todo o nosso paiz, sejam solteiras ou casadas, devem ser aproveitadas para o magisterio, pois que há muita difficuldade para se conseguir elevado numero de professoras.
A instrucção primaria necessita dos trabalhos da mulher professoras sejam quaes forem os seus resultados regulares, bons ou excellentes, seja casada ou solteira.
Mas, o que se não pode pôr em duvida, sem se cahir em erro, é que a mulher, emquanto solteira, exercendo o cargo de professora, apresenta sem duvida nenhuma melhores resultados antes que depois de mudar o seu estado civil.
Na Allemanha e nos Estados Unidos, as mulheres casadas não podem leccionar. O progresso ou a evolução de um povo determina sensiveis variações nos regimens escolares.
O Brasil também um dia terá em execução a mesma lei acima mencionada e nesse dia, então, todo o Paiz deverá se orgulhar de nossa instrucção que será, certamente, uma organisação completa, perfeita e modelar.