BETTY ANTUNES DE OLIVEIRA, PRESENTE!
Betty Oliveira foi professora da Universidade Federal de São Carlos, desde a fundação da universidade em 1968, onde se destacou, entre outros motivos, pela criação e coordenação do PAF (Programa de Alfabetização dos Funcionários) ao ter constatado que, entre os vários trabalhadores que cuidavam do amplo e aprazível campus da universidade havia vários analfabetos. Esse trabalho foi muito impactante, o que pode ser ilustrado pelo seguinte depoimento de um trabalhador que, ao ser treinado para manejar o lápis e a caneta em seu processo de alfabetização, exclamou: “eu não sabia que o lápis pudesse ser mais pesado do que a enxada”! De fato, ele havia dominado a coordenação motora grossa, necessária para manejar a enxada, o que ele fazia diariamente sem nenhuma dificuldade. Mas, para manejar o lápis e a caneta é necessário ter o domínio da coordenação motora fina. E isso só se se adquire mediante um processo de aprendizagem dando razão à afirmação de Gramsci segundo a qual “deve-se convencer a muita gente que o estudo é também um trabalho, e muito fatigante, com um tirocínio particular próprio, não só muscular-nervoso mas intelectual; é um processo de adaptação, é um hábito adquirido com esforço, aborrecimento e mesmo sofrimento”.
Na condição de docente da universidade Betty se inscreveu, em agosto de 1972, no Programa de Mestrado em Filosofia da Educação do Instituto Educacional Piracicabano que veio a se transformar na Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP).
Como estudante se destacou pelo grande empenho nos estudos e pesquisas tendo sido a primeira aluna do referido Programa de Pós-Graduação a defender sua dissertação de mestrado sendo, assim, minha primeira orientanda a concluir sua pesquisa defendida no dia 18 de novembro de 1974, coincidentemente a mesma data da defesa de minha tese de doutorado ocorrida três anos antes (18/11/1971).
Concluído o mestrado mediante a defesa da dissertação que versou sobre Implicações Filosóficas da Tecnologia Educacional: Uma Experiência Brasileira, ela obteve bolsa de estudos do DAAD - “Deutscher Akademischer Austauschdienst -Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico” para realizar o doutorado na Alemanha tendo retornado ao Brasil em 1978 para complementar as pesquisas de sua tese a ser defendida na Universidade de Kassel. Coincidiu que, tendo sido iniciado o Doutorado em Educação: Filosofia da Educação na PUC de São Paulo no segundo semestre de 1977, em 1978 ministrei no referido Programa a disciplina “Teoria da Educação”. Betty, então, aproveitou para se inscrever nessa disciplina. Acompanhando a evolução de seus estudos e pesquisas fiz a ela a seguinte proposta: “por que você, em lugar de retornar à Alemanha levando os créditos obtidos aqui para defender sua tese, não faz o contrário? Ou seja: você traz os créditos obtidos lá, completa os estudos, defende sua tese e retorna à Alemanha para um pós-doutorado”. Ela achou uma ótima ideia e completou sua pesquisa tendo defendido sua tese de doutorado sobre Política de Formação de Professores do Ensino Superior: crítica de seus pressupostos (o binômio 'Segurança e Desenvolvimento' em função de seus resultados) no dia 21 de setembro de 1978 com o que se tornou, também, a primeira estudante a defender sua tese de doutorado no referido Programa da PUC-SP e, igualmente, minha primeira orientanda de doutorado a defender sua tese. Desta sua tese resultou o livro O Estado Autoritário Brasileiro e O Ensino Superior publicado em 1980 pela Editora Cortez/Autores Associados, de São Paulo.
Concluído o doutorado Betty retornou à Alemanha e realizou pós-doutorado na Gesamthochschule Kassel (Universidade de Kassel), GHK, entre 1978 e 1980 tendo me confidenciado que minha proposta havia sido mesmo boa porque, tendo retornado já com o doutorado ela passou a ter um tratamento bem diferente. Ou seja: ela já não era considerada simplesmente como uma aluna, mas como uma colega: um “Herr Lehrer” (Senhor Professor) ou, no feminino, uma Fräulein Lehrerin (Senhora Professora).
Em suma, Betty, em sua simplicidade, foi uma pessoa muito culta que, infelizmente, nos deixou recentemente, no último dia 25 deste mês de junho aos 84 anos de idade completados no início desse mês (salvo engano, no dia 4 de junho). Lamentamos muitíssimo perder uma companheira tão valorosa que, a par de consistente formação filosófica obtida no Curso da Pedagogia da Faculdade de Educação e no Curso de Música da Escola de Música, ambas na Universidade Federal do Rio de Janeiro, foi uma pluriartista com pleno domínio dos clássicos das artes, em especial da música e da pintura, pois foi exímia pianista e excelente pintora tendo, entre outras obras, ilustrado magistralmente o livro de poemas Rosas do Tempo de autoria de Maria Aparecida Dellinghausen Motta, publicado em 2007 pela Editora Autores Associados, de Campinas. Além disso, cursou, também, o mestrado em música e curso de pintura “óleo sobre tela“, tendo frequentado salões de arte como expositora obtendo premiações com as telas “Cozinha Antiga“ e ‘Fundo de Quintal“.
Com esta singela homenagem queremos deixar a todas as companheiras e companheiros um registro, que desejamos seja perene, da memória de Betty Antunes de Oliveira, imortalizando sua contínua luta, que também é a nossa, por um planeta íntegro no qual todos os povos possam viver em plenitude com o acesso de todas as pessoas à mais alta cultura filosófica, científica, artística e literária.
BETTY ANTUNES DE OLIVEIRA, PRESENTE!
São Paulo, 28 de junho de 2024