A palavra Amazônia é bastante difundida em todo o mundo. No Brasil, acredito que já tenha sido ouvida ou falada por toda a população. Até porque frequentemente ocupa espaços nos noticiários e em peças publicitárias. Mas o que se diz dela? Há correspondência com a realidade concreta que a constitui? Estas perguntas iniciais constituem o eixo sobre o qual vou discorrer tendo em vista que tenho me dedicado a compreender esta imensa e instigante região. E tendo em vista a linha editorial das Colunas do Histedbr, vou dar ênfase para a análise conjuntural tendo por foco a educação escolar pública.
Neste texto de estreia elegi duas expressões muito conhecidas seguidas de reticências que convidam a pensar em outras denominações. A escolha pelos dois se deve ao contraste que tem sido uma marca histórica desde a empreitada colonizadora dos séculos XV e XVI e, principalmente, após os desdobramentos que os escritos de cronistas causaram no velho continente.
A palavra Amazônia é uma das mais difundidas pois remete a floresta na qual está a maior biodiversidade do planeta. Objeto de cobiça econômica internacional e também de movimentos que lutam pela defesa e preservação do meio ambiente, por compreenderem a sua importância vital para a sobrevivência da humidade. A floresta amazônica abrange cerca de 7 milhões de quilômetros quadrados e está presente em nove países da América do Sul: Brasil, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Guiana, Venezuela, Suriname e Guiana Francesa.
A Amazônia tem mais de 4 milhões de km2 com cerca de 2.500 espécies de árvores registradas (um-terço de toda a madeira tropical do mundo) e 30 mil espécies de plantas (das 100 mil da América do Sul). Com tanta vegetação e o clima quente e úmido, e dificuldades de movimentação, nos primeiros tempos foi identificada como sendo um “inferno verde”. Posteriormente, a exuberante floresta alcançou status santificado ao ser identificada como responsável pela produção de oxigênio necessário para o equilíbrio térmico do mundo do planeta, passando a ser então o “pulmão do mundio”.
Na página do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a Amazônia é adjetivada como “Legal”, denominação instituída por Lei em 1953, com o objetivo de definir a delimitação geográfica da região política de atuação da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) com vistas a “promover o desenvolvimento includente e sustentável [...] e a integração competitiva da base produtiva regional na economia nacional e internacional.” (https://www.ibge.gov.br/busca.html?searchword=amazonia). A Amazônia Legal compreende 5.215.423 Km2 (60% de nosso território), 3 de nossas 5 divisões políticas regionais com um total de 772 municípios (todos os 450 do Norte, 181 dos 1.793 do Nordeste e 140 dos 466 do Centro-Oeste). Abriga aproximadamente 30 milhões de pessoas das quais pelo menos 250 mil são declaradas indígenas, o que corresponde a 55,9% dessa população no país.
O termo “sustentável” associado ao “desenvolvimento” tem sido apenas retórica, disfarçando a ação intensa e voraz do capital sobre o que chamam de “recursos naturais”. Isto porque desde a entrada da Amazônia para o mundo tem se dado a busca de metais preciosos e produtos exóticos para comercialização (marcadamente as “drogas do sertão, ouro e madeira) e outros produtos. Muitos destes extraídos clandestinamente de áreas indígenas e de reservas ambientais. A a violência cometida sobre os Yanomami e outros povos indígenas e populações tradicionais da Amazônia no período do (des)governo Bolsonaro configuram crimes de genocídio e revelam outras adjetivações.
Uma análise de conjuntura não pode deixar de considerar minimamente estes aspectos históricos. E também indicadores econômicos, políticos e sociais. A Amazônia ocupa mais da metade do território brasileiro, porém nela estão apenas 14% dos municípios e 12% da população (10% do eleitorado); responde por 5% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. A região acumula 61% das mortes por conflitos agrários; e entre outros indicadores catastróficos citamos os 34% das residências sem água encanada e 81% sem rede de coleta de esgoto.
Os indicadores utilizados para avaliar as condições de vida e a dignidade humana, mostram que na Amazônia, em 2009, cerca 10 milhões de pessoas (praticamente a metade da população) vivia com menos de meio salário mínimo por mês, portanto, abaixo da linha da pobreza (ARAÚJO, 2013, p. 36). E entre todas as cidades brasileiras com o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal IDHM muito alto, nenhum pertence à Região Norte. (idem, p. 40). No que diz respeito a educação apenas 17 municípios, boa parte deles no Tocantins, estão no grupo que apresenta melhores indicadores, enquanto que mais de 40% estão entre os de mais baixo IDHM Educação no país (idem, p. 42). Outro dado estarrecedor: “o analfabetismo na Amazônia está acima do limite internacionalmente considerado como crítico, que é de 5%, definido pela UNECO. Na Amazônia brasileira, é mais do que o dobro (10%). (ARAÚJO, 2013, p. 61).
As dificuldades socioeconômicas pelas quais passamos não são apenas da conjuntura nacional e que possam ser resolvidas com ações locais. Decorrem do agravamento global da crise estrutural do capital. Há uma luta substantiva acontecendo e é impossível pensar a educação fora desta luta. O enfrentamento se dá no âmbito de projetos societários. No intrincado processo de disputas do “mundo civilizado” que resultou da ascensão da burguesia ao poder, na consolidação de um novo modo de produzir e circular as mercadorias, gerando enormes desigualdades entre os proprietários dos meios de produção e os desprovidos daqueles meios. As desigualdades não se explicam apenas pelo território, uma vez que elas decorrem de múltiplos fatores que caracterizam as sociedades de classe. No caso da educação, assume relevância identificar os fins e os propósitos. A escola é integrante da sociedade e comporta aspectos universais e singularidades. Um dos maiores diferenciais da Amazônia é a presença da multiplicidade de povos indígenas. Por conseguinte, não se pode descuidar de uma proposta educacional para esses povos, que considere seus modos de vida e suas permanências culturais. Da mesma forma se faz necessário pensar e propor políticas educacionais adequadas para os demais segmentos da população. Nem inferno e nem pulmão, que sejam respeitadas as diversidades e haja justiça social.
Anselmo Alencar Colares
Dr. em História da Educação.
Professor Titular da UFOPA