A era da ignorância

A imagem tem sido utilizada de forma a causar impacto no espectador. Ocorre uma espécie de estetização da violência, onde a brutalidade colorida e sonora passa a ser a referência da produção cultural e dos altos índices de audiência. É nesse sentido que a indústria cultural acentua os valores nazifascistas, pois prioriza uma dimensão dos fatos, o que se supõe ser espetacular ou o que se fabrica como espetacular.

A violência política presente no processo eleitoral brasileiro acirra as disputas e debates sobre a sucessão presidencial. O que se verifica é o neoliberalismo, agora travestido de uma face ainda mais conservadora, marcando uma aproximação com o nazifascismo. Esta é uma discussão que não é nova. Ianni, em artigo publicado em 1998, fez uma denúncia sobre esta aproximação, demonstrando que a construção gradativa de uma fábrica de produção de ideologias e práticas nazifascistas e sua declaração total de guerra contra a social-democracia e o socialismo. É assim que Ianni denomina o neoliberalismo como um processo construído e baseado na razão instrumental em que a brutalidade é algo que está sendo enfatizado pela manipulação da imagem. A imagem tem sido utilizada de forma a causar impacto no espectador. Ocorre uma espécie de estetização da violência, onde a brutalidade colorida e sonora passa a ser a referência da produção cultural e dos altos índices de audiência. É nesse sentido que a indústria cultural acentua os valores nazifascistas, pois prioriza uma dimensão dos fatos, o que se supõe ser espetacular ou o que se fabrica como espetacular. Aí pode florescer um aspecto da cultura fascista, o culto da violência, que pode alimentar a subjetividade de espectadores de todo o planeta.

Este é um processo que transcende as fronteiras brasileiras. Não é algo pensado ao acaso ou fruto de insatisfações econômicas e políticas localizadas, mas sim, um projeto maior, tendo como grande articulador Stephen K. Bannon, conselheiro de Donald Trump e diretor da campanha que o elegeu à Presidência dos Estados Unidos. Aclamado por David Duke, um dos líderes da Ku Klux Klan, foi compreendido como grande pensador das estratégias de extrema direita internacional, um ídolo mitigado por todos os portadores de ódio influenciando ideias e costumes em vários cantos do planeta. Ele se apresentou como uma nova liderança, fomentando ideias, ações e discursos políticos de cunho neofascista que influenciaram, merecendo destaque o Primeiro Ministro Húngaro Viktor Orban, Marine Le Pen, entre outros.

O objetivo de Bannon era o de estabelecer uma luta desenfreada contra a democracia, construindo ideias, justificativas e ideologias para esse fim. O antissemitismo, racismo, nazismo, fascismo são retomados como os caminhos a serem adotados em substituição à “decadente democracia” imperante no planeta.  O amor à guerra e ao conflito constante entre os seres humanos são as marcas de sua interpretação.  O mundo estaria mergulhado em uma guerra cultural que teria que ser vencida através da violência. Daí a dimensão da simplificação entre esquerda e direita, a retomada de conflitos imaginários e o despertar de inimigos ocultos que bloqueiam os ideais conservadores no planeta.

Dentro desta perspectiva, o desprezo aos imigrantes, a pobreza como responsabilidade individual, a divinização de setores religiosos de cunho ultraconservador, as religiões de cunho não ocidental, especialmente o Islamismo, são vistas como inimigas da humanidade. Sua crítica se estende às próprias elites nacionais. Retomando o discurso político do nazismo na Alemanha nos anos que antecederam a Segunda Grande Guerra Mundial, estas elites são entendidas como comprometidas com forças políticas estranhas aos interesses da soberania de um país e, em alguns casos, comprometidas com interesses esquerdistas.

O conceito de esquerda e comunismo passa a ser confundido e simplificado como estratégia para ser percebido por um conjunto de simpatizantes mergulhados no analfabetismo funcional em âmbito político. É assim que Bannon os ressignifica como sinônimo de corrupção e ingerência, utilizando para esse fim os pressupostos epistêmicos de F. von. Hayek e, cooptando, com isso, parcela significativa das classes médias. A ideia é que o combate a essas concepções seja constante e implacável, não importando os meios para este fim. Uma espécie de “luta santa” em que o esquerdismo é composto por demônios do “mal” e o ultraconservadorismo como apóstolos do “bem”. Os heróis e os vilões em combate contínuo ao qual, para o extermínio dos vilões tudo é permitido. Uma espécie de atestado de liberação para matar similar ao que é concebido aos soldados em processo de guerra. Ataques pessoas, intimidações, linchamentos virtuais, perseguições políticas, xingamentos públicos entre outros, são as estratégias utilizadas para esse fim, não faltando tolos para as executarem sem qualquer espírito crítico.

Um amplo processo de luta apocalíptica está em curso no entendimento de Bannon e seus seguidores. Aqueles que possuem uma interpretação simplória sobre o funcionamento das tramas econômicas, políticas e sociais da sociedade são facilmente envolvidos por esta retórica, encontrando respostas simples para os fracassos de sua própria existência.  A volta ao passado é utilizada como alternativa àqueles que tem dificuldade em entender o seu lugar no mundo, desprovidos de esperança e combalidos pelas sucessivas crises econômicas do capitalismo mundializado em sua fase financeira.

Está em curso um ataque direto à democracia construído em torno de um discurso político falseado de luta contra o comunismo. O desenrolar dos processos sociais passam a ser interpretados sem comprovação objetiva. Nas fronteiras do pensamento de Bannon e seus seguidores, a verdade é aquilo que eu gostaria que fosse, emersa em torno de uma subjetividade inautêntica. A terra é plana e as vacinas não são necessárias simplesmente porque nisso acreditam. A imprensa mente quando não publica o que é do seu interesse. Os resultados das pesquisas eleitorais são falsos e manipuladores quando não os favorecem. A justiça é tendencial quando não os beneficia. Os votos são manipulados e não são conclusivos quando apontam para a sua derrota eleitoral. 

Caso fosse ainda vivo, diria Eric Hobsbawm: aí está a era da ignorância.

 

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