Referências para a análise da educação no cenário eleitoral

Cabe dizer que o que estará em jogo em 2 de outubro não é a escolha sobre se o Brasil vai fazer ou não a revolução socialista, mas a opção plebiscitária entre civilização ou barbárie.

Nas eleições em curso, interessa a quem atua na educação analisar o cenário que se apresenta, o que exige compor referências para tanto. Este artigo visa a indicar alguns elementos a delimitar a análise da educação na corrente campanha eleitoral presidencial, apresentando, para tanto, referências conceituais e corolários encontrados em planos de governo e ações dos(as) candidatos(as).

Cabe dizer, inicialmente, que os governos do PT, Lula e Dilma, bem como o de Temer e o de Bolsonaro, foram orientados por concepções político-ideológicas diferentes, que repercutiram nas políticas educacionais, como é corrente. Político-ideológica e educacionalmente, é possível caracterizá-los como progressistas, conservadores e reacionários, com a consciência de que essa conceituação não alcança descrição pormenorizada do que os identificam, mas serve como significativa baliza para refletir sobre o que são e o que representam.

Conservador é o(a) que almeja manter-conservar o status quo e a concepção de mundo predominante no atual estágio de desenvolvimento do metabolismo social do capital. Progressista se refere àquele(a) que quer dar um “salto ao futuro”, criando uma nova civilização, baseada em outra concepção de mundo e dinâmica para a totalidade da vida social. E reacionário diz respeito aos(às) que pretendem dar um “salto para trás” no desenvolvimento histórico, do que resulta subverter a concepção de mundo e tentar destruir o padrão de “civilidade” hodierno, idealizando os pretéritos.

Considerando que toda concepção de mundo guarda um ideal educativo que lhe é correspondente, nas disputas políticas nacionais no campo da educação se apresentam, basicamente, três modelos, representando concepções, forças e projetos político-ideológicos diversos: o conservador, o progressista e o reacionário.

A educação conservadora concebe-se como um direito formal e, como tal, não reconhece igualdade concreta entre indivíduos e grupos sociais. Desse modo concebida, a educação só se concretiza no livre jogo do mercado, de acordo com a condição econômica do indivíduo. Como o que vale no mercado é a mercadoria, a educação como direito formal se expressa na realidade como algo a ser comprado e a ser vendido, e cuja qualidade varia conforme o “bolso” do sujeito. É por isso que o ideal educativo de conservadores(as) é formar o “empreendedor si”, “indivíduo competente” para ter “sucesso” na vida privada e, assim, garantir sua pessoal distinção em relação aos demais, com os quais mantém relação de desigualdade.

Por sua vez, a educação progressista entende-se como um direito humano fundamental que alcança a todos(as), independentemente da condição econômica. Assim, reconhece a necessidade de garantir, por via estatal, a igualdade concreta das condições de vida e de acesso educacional aos diversos níveis de ensino. Isso deve ocorrer com o mesmo padrão de qualidade socialmente referenciado, gratuitamente e por processos com liberdade de ensino e de ensino que seja laico, com vistas a formar o sujeito integralmente, isto é, oportunizando-o a se desenvolver em todas as dimensões que o identifica (omnilateralmente), para que seja emancipado e, portanto, tenha condições a agir para superar as contradições da realidade vivida. Desse modo compreendida, a educação progressista, expressa-se na forma de bem público, uma negação da educação na forma mercadoria.

A educação reacionária compreende-se como direito restrito ao universo “comunitário” (família, núcleo religioso, político...), assentado na noção irrestrita de liberdade, inclusive para defender regimes que a coíbem. Próxima à conservadora, a educação reacionária também se expressa na forma de bem privado, mas submetido aos liames do núcleo comunitário, em especial, a família e a religião. A disponibilidade quantitativa e qualitativa desse bem está sujeita ao núcleo de referência, daí limitar o acesso ao patrimônio cultural/humanitário historicamente produzido e sistematizado na forma de ciência, filosofia e arte. Intenta formar o sujeito “conformado” à concepção de mundo comunitária, fechado em si e tendo o outro como estranho, um inimigo, porque é externo ao universo que o referencia.

Considerando os quatro mais recentes presidentes e o que foi exposto, não é difícil identificar como reacionário o governo Bolsonaro e Temer como conservador. Em relação a Lula e Dilma, pode-se afirmar que estão mais próximos do progressivismo do que do conservadorismo ou reacionarismo, embora tenham tido iniciativas que os afastam dessa qualificação, mormente em se tratando do campo da economia (favorecimento do capital financeiro, por exemplo).

Para encontrar corolários dessa qualificação, pode-se verificar a parte dos planos de governo que tratam de educação, já que Lula e Bolsonaro são candidatos à presidência. Como Temer (MDB) não é, o corolário do conservadorismo que lhe identificou como governo pode ser achado nas propostas educativas da candidata que disputa a presidência pelo mesmo partido dele: Simone Tebet.   

É de tal modo conservador do atual estágio neoliberal de desenvolvimento do metabolismo social do capital o plano de governo de Tebet no que trata da educação, que é difícil selecionar propostas mais exemplares dessa caracterização. Observe-se que nele se diz que “Nosso governo será o governo das concessões, das parcerias público-privadas, das privatizações e da desestatização [...] com recursos destinados à redução da pobreza e à educação infantil” (p. 29). Como é próprio de neoliberais, a educação é entendida como direito privado e expresso na forma mercadoria, como um serviço: “Melhorar a forma de organização de instituições públicas, estatais e não estatais [...] para provisão de serviços de interesse público [...] educação” (p. 32). Não se pretende uma educação como direito humano fundamental e bem público, mas direito privado, completamente submetido às demandas do demiurgo mercado: “Implantar as mudanças [d]a reforma do ensino médio [...] destaque para a ampliação do ensino técnico e profissionalizante, conectado com demandas do mercado de trabalho” (p. 11), entendendo a educação como um processo a formar o capital humano, porque com ela vai “enfrentando causas estruturais das desigualdades, particularmente as relacionadas a fatores de competitividade e de produtividade, tais como educação”.

No plano de governo de Bolsonaro é afirmado algo característico de reacionários: conceber como natural a própria concepção de mundo e, logo, deve ser a única a mediar os processos educativos. Diz o plano que se deve “[....] permiti[r] que os alunos possam exercer um pensamento crítico sem conotações ideológicas que apenas distorcem a percepção de mundo” (p. 25). A boa, bela, justa e verdadeira concepção a ensinar é apenas a definida pelo núcleo parenteral básico, porque “Muito foi feito [...] Todas essas ações visam fortalecer os vínculos familiares e intergeracionais, dentro da ideia de que os pais são os principais atores na educação das crianças, e não o Estado, e de que famílias fortes são a base de nações fortes”. (p. 29, reiterado na p. 25). Na mesma página onde está essa afirmação da educação como direito restrito ao universo “comunitário”, efetivado na forma de bem privado, encontra-se a asserção de que “[...] estabelecidas estratégias que se alinhem com as demandas do mercado [...] garantir que o jovem que se esforça [no] estudo tenha alta probabilidade de ser empregado” (p. 25), até porque “[...] a educação é um serviço”.

Lula ainda não apresentou o plano de governo, apenas diretrizes gerais. Segundo membros da campanha, o plano está sendo elaborado com a contribuição da quase dezena de partidos que compõe a frente que o apoia e milhares de sugestões enviadas pela Internet. Nas diretrizes de governo publicadas, encontram-se propostas claramente progressistas, como a de “fortalecer a educação pública universal, democrática, gratuita, de qualidade, socialmente referenciada e inclusiva” (p. 6), “O pré-sal [...] voltar a servir para financiar [...] recursos para a educação” (p. 13), “Educação é investimento essencial para fazer do Brasil um país desenvolvido, independente e igualitário, mais criativo e feliz” (p. 6) “e fortalecer os princípios do projeto democrático de educação, que foi desmontado e aviltado” (p. 6).

Se na parte relativa à educação nos planos de governo tem corolários da caracterização político-ideológica apresentada, há que considerar que “papel aceita tudo”. Então, é importante saber que quem está disputando, de fato, a corrida presidencial este ano são apenas dois candidatos, Bolsonaro e Lula, porque juntos somam mais 80% dos votos segundo as pesquisas, mesmo em se tratando de voto espontâneo. Eles foram presidentes e puderam, nas políticas educacionais que desenvolveram, comprovar a efetividade ou não da identificação que os definem e que aqui foram nominadas de reacionária e progressista, respectivamente.

Nas políticas educacionais que Bolsonaro efetivou, há farto exemplos de reacionarismo. Para citar três ações exemplares da educação entendida como direito restrito ao universo “comunitário”, expresso na forma de bem privado, veja-se: a) aprovação do Projeto de Lei nº 1.388/22, em 19/5/2022, que regulamentou o homeschooling (ensino domiciliar), pois nega o direito de a criança ser socializada, restringindo-lhe a formação à concepção de mundo da família; b) o esforço empreendido pelo governo na aprovação de projetos de lei para regulamentar a “Escola sem Partido” (ao advogar pela “neutralidade do ensino”, contra a chamada “doutrinação ideológica”, nega o direito de cátedra ao/às professores/as e submete alunos/as à formação de perspectiva única); c) vitrine do atual governo, o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim) foi lançado em 2019 pelo MEC e Ministério da Defesa, e em 12/07/2022 alcançou 130 escolas no país, com meta de chegar a 216, maculando o princípio constitucional da gestão democrática, submetendo crianças e adolescente à formação de tipo reacionária.

Não é simples identificar o governo Lula com a concepção progressista pelo que implantou na educação. Se produziu políticas educacionais progressistas, também implantou outras nem tanto. Exemplos de ações consideradas progressistas, porque trabalham com concepção de educação como direito humano fundamental e bem público, podem ser citadas: a) Lei nº 12.771/12 (Lei de cotas raciais); b) Lei nº 10.639/03 (incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”), posteriormente reeditada na Lei 11645/08 (estende a indígenas os mesmos direitos da comunidade negra); c) ampliação e interiorização da rede federal de educação (18 novas universidades e 214 novas escolas técnicas). Contudo, há também exemplos de duvidoso “progressivismo”, embora bem avaliados pelos mais pobres: a) o Programa Universidade para Todos (Prouni), criado em 2004 para facilitar o acesso de alunos de baixa renda ao ensino superior, via bolsas de estudos parciais (50%) e integrais em instituições privadas; b) o Fies (Fundo de Financiamento Estudantil), que ajuda os de baixa renda a pagar mensalidades de cursos em universidades particulares.

Mesmo com dificuldade de aproximar completamente Lula do progressivismo pelo que ele fez como presidente no âmbito da educação, àqueles(as) que se comprometem com a superação do capitalismo como modo de produção e reprodução da vida social, cabe dizer que o que estará em jogo em 2 de outubro não é a escolha sobre se o Brasil vai fazer ou não a revolução socialista, mas a opção plebiscitária entre civilização ou barbárie.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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