A exposição da média Nise Hiltomi Yamaguchi na CPI da Pandemia (2021) e o relatório do Presidente Manoel Deodoro da Fonseca (BRASIL, 1890), são duas fontes que convergem para a compreensão que na história do Brasil é recorrente a existência de grupos, corporações, cooperativas, associações, composta por grande número de profissionais, intelectuais e empresários, que de forma voluntária, sem fazer parte do governo, se disponibilizam para colaborar com a administração do país em setores como a saúde, comunicação, meio ambiente, educação.
O sistema de ensino nacional, por se tratar de uma organização ligada ao Ministério da Educação, entende-se que deveria ser regida por leis e orientações oriundas de profissionais pertencentes a pasta da educação, que deveriam conduzir por meios técnicos a política educacional do país. Entretanto, o que também se cogitava, é que ao longo do processo histórico de composição dos governos existiam grupos que por trás das cortinas se mobilizavam para interferir na política e assim promoverem mudanças no sistema de ensino, o que tem levado a educação ao grande atraso.
Essa poderia ser mais uma ideia de conspiração, se não fosse a declaração ocorrida no dia 01 de junho de 2021, na seção da Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado Federal sobre a COVID19, a qual recebia a Drª Nise Hiltomi Yamaguchi, que entre tantos assuntos, após a provocação e questionamento do Senador Randolfe Rodrigues do Partido REDE do Estado do Amapá, a médica expôs a existência de um grupo composto por dez mil médicos, que de forma voluntária, prestava aconselhamentos ao Governo Federal e ao Ministério da Saúde (CPI DA PANDEMIA, 2021). Esta revelação me levou a problematizar essa questão no tocante a história da educação, pois, lembrando de uma exposição feita pelo Presidente da República Manoel Deodoro da Fonseca no processo de implantação do governo republicano como consta em Brasil (1890, p.8) onde se pronuncia dizendo: “Certo é que algumas corporações docentes offereceram reparos aos novos planos de ensino”.
Embora não seja declarado no relatório presidencial, quais eram e nem quem eram os integrantes das corporações de professores que procuraram a presidência da república, nem o tipo de reparos, e ou orientações para o ensino do país que tinham, podemos inferir pela lógica da mobilização social da época, que o grupo poderia ser composto por educadores e intelectuais que tinham interesse que a educação se desvencilhasse da antiga forma de governo e por conseguinte acompanhasse os valores ideológicos pregados pelo liberalismo envolvendo uma educação laica, que pudesse ser oferecida atendendo os princípios da gratuidade, universalidade e obrigatoriedade, fundada sob a premissa pragmatista da educação para o progresso.
A exposição da média Nise Hiltomi Yamaguchi na CPI da Pandemia (2021) e o relatório do Presidente Manoel Deodoro da Fonseca (BRASIL, 1890), são duas fontes que convergem para a compreensão que na história do Brasil é recorrente a existência de grupos, corporações, cooperativas, associações, composta por grande número de profissionais, intelectuais e empresários, que de forma voluntária, sem fazer parte do governo, se disponibilizam para colaborar com a administração do país em setores como a saúde, comunicação, meio ambiente, educação.
Sem desmerecer a boa vontade desses cidadãos, mas acho importante pontuar que essas atitudes benevolentes a mim parecem um tanto estranha, devido ao fato que essas pessoas, que preferem se manter no anonimato, sem receber nenhuma remuneração, caridosamente doam seu tempo e talento para ajudar governos a elaborarem propostas administrativas e operacionais para o desenvolvimento de serviços e atendimento da população, sendo que as pastas ministeriais ou secretarias tanto em âmbito federal, estadual e ou municipal, com as quais colaboram contam com vasta quantidade de recursos financeiros.
Acredito que por uma questão de estratégia, para não ganharem os holofotes das agências fiscalizadoras, e ou para fundamentar o argumento que não têm compromisso com nenhum partido que esteja no poder, e assim estarem livres para a cada novo governo terem a facilidade para estabelecerem relações, esses sujeitos se fazem representar por organizações sem fins lucrativos para alcançar a estrutura do estado e de forma impessoal implementar as mudanças que almejam, fazendo com que as políticas de governo atendam seus interesses e se alinhem aos princípios teórico ideológicos liberais e neoliberais que defendem, onde a iniciativa privada tem maior liberdade para se movimentar e ampliar sua presença no mercado e na estrutura social.
A presença desses grupos corporativos pode ser melhor notada a partir do final do século XX e início do século XXI, quando algumas entidades que reúnem parte da elite brasileira começaram a aparecer transmutadas de Organizações Não Governamentais (ONGs), ou institutos, e passaram a dizer para os governos quais eram as melhores iniciativas a serem aderidas para a realização dos serviços de atendimento ao público.
Na educação essa presença pode ser melhor evidenciada através de organizações como o movimento Todos Pela Educação, que de acordo com Antunes (2017): “[…] existe também a teoria de que o movimento tende a fortalecer o predomínio de classe através de uma doutrina capitalista dentro das escolas”. Com esse mesmo perfil existem outras instituições ligados a organizações religiosas, fundações e grupos corporativos como no caso do Instituo Ayrton Senna, que de acordo com Laia (2017) segue nessa mesma linha de atuação, ingressando na estrutura política do estado para fazer suas propostas hegemônicas neoliberais desarticularem a escola pública e assim abrirem caminho para a prestação de serviços ao estado, geralmente através da realização de cursos e assessoramento de projetos com nomes e objetivos propositivos indicando o caráter gerencial da educação.
Um exemplo claro está no estado do Pará, onde são recorrentes a presença desses tipos de organizações que não compõem o governo, como identidade camuflada pelos nomes de projetos que coordenam, e que surgem repentinamente para realizar assessoramentos no campo da educação, como é o caso do programa de fomento das escolas de Ensino Médio em Tempo Integral (EMTI), que é um projeto oriundo das instâncias do Governo Federal instituído pela Portaria Nº 2.116, de 6 de dezembro de 2019, e que foi remetido para os estados para concretizar a reforma do ensino médio para um proposta de tempo integral.
De acordo com Silva, Vale e Sousa (2020) a execução do programa EMITI que compõe a política de tempo integral no ensino médio do estado do Pará, conta com o assessoramento de entidades como o Centro de Estudo em Educação Cultura e Ação Comunitário (CENPEC) e Fundação Carlos Alberto Vanzolini (FCAV) que têm parceria estabelecida com a Secretaria de Educação do Estado do Pará (SEDUC), e como vem sendo discutido, são presenças ocultas que direcionam o ensino e implantam formatos de educação alinhados a uma proposta neoliberal, gerencialista, utilitarista, meritocrática, voltada para a diminuição da participação do estado na educação.
O relatório do presidente do Brasil em 1890, a fala da convidada da CPI da Pandemia em 2021, e a presença de organizações não governamentais para a implantação do EMITI no Pará, deflagram que o estado tem sido aconselhado de forma oculta por grupos e pessoas anônimas, conectadas político e ideologicamente com os governos, com a finalidade de possibilitar a abertura de canais entre as estruturas do estado e a iniciativa privada para obterem vantagens mercadológicas e de consolidação de uma proposta neoliberal nos serviços públicos, com destaque em áreas como a educação que nos últimos anos teve seus investimentos diminuídos, mas por outro lado aumentou o leque de relações com essas corporações de natureza privada.
REFERENCIAS
CPI DA PANDEMIA. Depoimento da médica Nise Hiltomi Yamaguchi. Tv. Senado. 6:32:35. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=NHpZA7n3yic . Acesso em: 01/06/2021
BRASIL, Presidente Manoel Deodoro da Fonseca (1889 – 1891). República dos Estados Unidos do Brasil: Mensagens dirigida ao Congresso Nacional pelo Generalissimo Manoel Deodoro da Fonseca. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1890. Disponível em: http://ddsnext.crl.edu/titles/120?terms=ensino&item_id=2235#?h=ensino&c=4&m=1&s=0&cv=7&r=0&xywh=-499%2C1096%2C2783%2C1528
ANTUNES, C. Celso Antunes e o movimento “Todos pela Educação”. PENSAMENTO SOCIAL BRASILEIRO E ADM. Disponível em: https://admbrasileira.wordpress.com/2017/07/17/celso-antunes-e-o-movimento-todos-pela-educacao/. Acesso em: 02/06/2021
SILVA, E. S. L; VALE, R. S. G; SOUSA, F. C. O novo ensino médio e a política do tempo integral no Estado do Pará. In: Congresso Internacional Ensino Médio e Educação Integral na América Latina, 2020. Anais do Congresso Internacional Ensino Médio e Educação Integral na América Latina. Santa Cruz do Sul: UNISC, 2020. Disponível em: https://online.unisc.br/acadnet/anais/index.php/congressointernacional/article/view/20933/1192613035 . Acesso em 04/06/2021
LAIA, A. C. B. A ofensiva do capital na educação Brasileira: o papel do Instituto Ayrton Senna. In: XXIX Simpósio Nacional de História- contra os preconceitos: história e democracia, 2017, Brasília. Anais XXIX Simpósio Nacional de História- contra os preconceitos: história e democracia, 2017. Disponível em: https://www.snh2017.anpuh.org/resources/anais/54/1502852065_ARQUIVO_AlineCarlaBatistadeLaia.ANPUHtextocompleto(2).pdf. Acesso em 03/06/2021