Viagens Imperiais do Século XIX

Significado: 

VIAGENS DAS LUZES: EM BUSCA DA CIENTIFICIDADE[1]

 

Com o Século das Luzes, século XVIII, as viagens ganharam uma racionalidade científica, um planejamento e uma crescente especialização (Raminelli, 2000, p.28). Este tipo de viagem, que também se estendeu por todo o século XIX, foi motivada por razões científicas, e foram realizadas, na sua maioria, por naturalistas, sem contudo descartar os comerciantes, aventureiros, missionários, militares e outros. A viagem se tornou uma forma privilegiada de atividade científica, com suas regras e protocolos, devendo os naturalistas estudar in loco a natureza, seja nos trópicos ou na Europa. Além disso, a Ilustração conferia um sentido pragmático, utilitário, instrumental à ciência, visto que os objetivos desta se dirigiam ao aproveitamento técnico da natureza pelo homem. Nesse sentido, era necessário o surgimento de um novo saber, o que se deu com o Systema Naturae de Lineu. Os seguidores deste sistema buscaram construir um conhecimento da natureza, totalizante e classificatório, passando da simples representação do mundo para o seu reordenamento, através da interferência direta do intelectual europeu. A História Natural incorporou um projeto classificatório e não de mapeamento. Não era seu objetivo descrever o mundo tal como era encontrado, mas reordenar os objetos e as coisas do mundo dentro de um sistema (Véscio e Santos, 1999, p. 27). Posteriormente, para além da sistemática de Lineu, com seu sistema taxonômico, e do enciclopedismo, Alexander von Humboldt propõe o Naturgemälde (sentidos da natureza) para representar científica, poética e artisticamente os elementos da História Natural, no intuito de superar o trabalho de descoberta e classificação das espécies, para compreender e sentir a natureza na sua totalidade (Lisboa, 1997, p. 201). Humboldt irá propor um método “explicativo”, visto como indo além do meramente “descritivo”, no qual o observador se preocupa em decifrar as “forças ocultas” da natureza. Nele, a natureza já não é mais aquela acessível, coletável, reconhecível, caracterizável de Lineu. Com ele temos uma natureza em movimento, impulsionada por forças vitais em grande parte invisíveis aos olhos do homem, um espetáculo capaz de ultrapassar o conhecimento e a intelecção humanos, desafiando seus poderes de percepção. Esta visão totalizante e interativa das paisagens, corresponde às exigências do homem total da época iluminista, o artista-cientista, capaz de colocar a sensibilidade em colaboração com a razão (Belluzo, 2000, v. II, p. 10). Encaminhadas, organizadas e financiadas pelos Estados e institutos oficiais as circunavegações ganharam

fôlego, em nome da ciência e eram sustentadas por interesses econômicos e expansionistas. Conduzidas pelo ideal da Ilustração, as viagens buscavam ampliar o conhecimento humano e desmistificar especulações acerca da conquista européia e da geografia e cartografia fantásticas, visão esta amplamente difundida pelas academias, sociedades científicas e universidades que se desenvolviam na Europa. As viagens tornaram-se uma extensão das academias e traduziam o espírito sistematizador da Encyclopédie. Os viajantes deveriam fazer observações astronômicas, oceanográficas, geológicas, botânicas, zoológicas, antropológicas, sociais, religiosas, econômicas e históricas. A partir de meados do século XVIII, temos processos como a emergência da História Natural e o término da fase das navegações de exploração, de conquista, acompanhados pelo desvendamento da geografia e pelo advento da exploração interiorizada do Novo Mundo, modificando as características que anteriormente marcavam as viagens e os livros de viagens. Novos modelos burgueses de subjetividade e uma nova fase territorial do capitalismo, estimulada por fatores como a expansão do comércio costeiro doméstico, rivalidades nacionais, a busca de matéria-prima para atender as necessidades do crescimento industrial e a busca de mercados consumidores, acompanharam e reforçaram as modificações acima apontadas.

 

[1] Verbete elaborado por Ana Paula Seco

Inicial: 
v