Relatório da Província de Mato Grosso - Joaquim Gaudie Ley 1860

Relatório do Inspetor de Instrução Pública da Província de Mato Grosso - Joaquim Gaudie Ley ano de 1860

 

 

 

Introdução

André Paulo Castanha[1]

 

Informações sobre o Autor

O Inspetor Joaquim Gaudie Ley era comerciante e conseguiu conciliar as atividades comerciais com inúmeros outras de cunho público e social na Província de Mato Grosso. Foi deputado provincial, provedor da Santa Casa de Misericórdia, Juiz de direito e municipal, chefe de polícia, membro da Caixa Econômica e Monte Socorro, secretário da Companhia Empresário de Theatro, vice-presidente da Província e Inspetor Geral de Instrução Pública por um período de 22 anos (1849-1871). Recebeu o título de Comendador e foi condecorado pelo governo imperial com o oficialato da Ordem da Rosa. José de Mesquita conta que Gaudie Ley recusou o título de Barão oferecido pelo Imperador. Para usufruir o referido título, teria que fazer uma doação muito generosa em dinheiro a uma instituição de caridade do Rio de Janeiro. Declarou que aceitaria o título se esta doação pudesse ser feita para a Santa Casa de Misericórdia de Cuiabá. Como o Imperador não aceitou a sua proposta, ele renunciou ao baronato. Destacou-se na tarefa de organizar a instrução pública na província propondo várias medidas visando colocar a instrução a serviço do desenvolvimento moral dos professores e alunos. Várias das suas idéias acabaram virando lei no regulamento de 1873.

Os inspetores faziam a inspeção nas escolas públicas e particulares, fiscalizavam o trabalho dos professores. Geralmente no inicio de cada ano elaboravam um relatório sobre a situação da instrução publica encaminhando ao presidente da Província, o qual colhia as informações e apresentava aos deputados provinciais no inicio do trabalho legislativo.

Não há dúvidas da importância dos relatórios dos inspetores de instrução pública como fontes primárias essenciais para compreender o processo de organização da instrução pública, na Província, enquanto política do Estado. Os relatórios dos inspetores serviam de base para os presidentes elaborarem seus relatórios anuais apresentados à Assembléia Provincial. Em muitos casos, os presidentes apenas reproduziam o texto dos inspetores. Os historiadores da educação que consultaram apenas os relatórios dos presidentes deram crédito a estes por afirmações que, muitas vezes, não eram deles, mas sim dos inspetores. Por isso trabalhar com os relatórios é uma ótima opção para a compreensão da instrução pública no século XIX.

Os relatórios descrevem diversos aspectos da instrução pública, uns de maneira mais aprofundada, outros mais superficial. Destacam-se os seguintes temas: inspetores paroquias, criação de escolas, mobília, funcionamento das escolas, matrículas, freqüência, exames, alunos carentes, premiação dos melhores alunos, métodos de ensino, disciplina nas escolas, formação dos professores, concursos, salário, condições de trabalho, currículos, inspeções nas escolas, orçamento, ensino secundário, particular, escolas femininas. Enfim, são documentos completos e amplos, que oferecem muitas possibilidades de estudos.

O texto que apresento a seguir foi transcrito dos originais, ainda na forma manuscrita. Nele foram respeitados a forma de organização das idéias e os sinais de pontuação, atualizando apenas a grafia. A seguir você poderá consultar na íntegra uma fonte fundamental sobre a educação na Província de Mato Grosso.

 

 

 

Relatório do Inspetor Geral de Instrução Pública Joaquim Gaudie Ley - elaborado em 21 de março de 1861, referente ao ano de 1860. APEMT, ano de 1861 - Lata A - Pasta Instrução Pública.

 

Ilmo. Exmo. Sr.

 

Cumpro nesta ocasião o preceito de informar a V. Exº acerca do estado da Instrução Pública e particular da Província, e de expor as ocorrências que tiveram lugar durante o ano último.

 

Inspetoria Geral e Paroquial

É digna de louvores a boa vontade com que continuaram a prestarem-se os cidadãos que exercem os lugares de Inspetores Paroquias. Recordando aqui seus serviços, nada mais faço do que a devida justiça.

O expediente e mais trabalhos desta Inspetoria Geral continuam regularmente, sendo por isso o seu único empregado, suficiente para desempenhá-los satisfatoriamente.

O quadro n.º 1 é o destes empregados.

 

Número das Escolas e Sua Freqüência

Das 20 cadeiras de instrução primária, criados em toda a província existem presentemente vagas as de Miranda e de Albuquerque. Estiveram em efetivo exercício, durante o ano todo, 16 e em parte dele 4.

Destas cadeiras, duas somente são para o sexo feminino, ambas estabelecidas na capital.

A freqüência tomada pelas relações semestrais foi termo médio, de 843 alunos de ambos os sexos; dando uma diferença de 78 alunos para mais em referência ao ano próximo passado.

Trezentos e quarenta e nove é o número dos classificados como pobres, o que tem direito ao suprimento de papel, etc.

Adicionando-se ao número acima 186 alunos das escolas particulares de que recebi relação, e 73 da Escola da Aldeia do Bom Conselho, 112 dos Arsenais de Guerra e Marinha, teremos a soma de 1214 meninos pelo menos, que aprendem a ler, pois que muitos professores deixaram de remeter as relações.

Não repetirei aqui o cálculo que demonstra a proporção vantajosa em que esta Província se distingue da maior parte das outras na difusão da instrução primária, por já haver feito mais de uma vez.

Correspondeu a despesa de cada aluno das escolas públicas a 12$204.

O quadro n.º 3 mostra a distribuição dos alunos pelas escolas, assim mais que as cadeiras da Guia, Chapada, Rosário, estão no caso de serem suprimidas, por se darem a respeito delas as condições prescritas pela lei de 5 de maio de 1837.

 

Exames

Tiveram lugar os exames anuais nesta capital nos dias 10 e 11 de dezembro último, nos edifícios das escolas dos professores Manoel Ribeiro dos Santos Tocantins e Sebastião José da Costa Maricá, sendo aprovados Plenamente 11 discípulos do primeiro nas matérias do 2º grau, e 8 do segundo nas matérias do 1º grau, sendo 4 simplesmente.

Com as solenidades do Regulamento, foram no dia 17 do dito mês, nesta Inspetoria, não só aos examinados ultimamente 6 como também aos aprovados mo ano passado, que não haviam sido premiados, por não ter então chegado os livros.

Nas freguesias de Pedro 2º, Santo Antônio, Diamantino, Poconé e Mato Grosso foram aprovados mais 21 alunos.

O quadro n.º 4 os nomes de todos eles e os graus de suas aprovações.

 

Casas e Mobílias

Com as subvenções, dadas nos últimos anos, pela Assembléia Geral para auxílio da Instrução Pública, na importância, ambas de 20:000$000 fez-se a aquisição de três propriedades de casas nesta Capital, e nelas estão funcionando as escolas do sexo masculino, por serem as de maior número de alunos.

Dessa mesma quantia supriram-se de mobílias as escolas da Capital, e remeteram-se para este fim quotas suficientes para as da Chapada, Guia, Rosário, Diamantino, Poconé, Vila Maria, Mato Grosso e Santa Ana Do Parnayba.

Prontificaram-se no Arsenal de Guerra por encomenda desta Inspetoria, mobílias para as demais freguesias para onde é possível o transporte por agora.

Sobre a necessidade de casas de algumas freguesias recebo sempre representações, e entendo que se não todas, ao menos uma pequena parte são atendíveis, especialmente as do Professor de Poconé, que conta perto de 100 alunos.

Somente depois de terminarem-se as obras que V. Exº mandou fazer na casa da rua Misericórdia, poder-se-á providenciar à respeito, a vista da quantia que sobrar, ou antes, se como é provável, continuar a subvenção.

O destino dado a três subvenções, foi utilíssimo, por que conservando-se assim o valor das propriedades, poupou-se quantias que até aqui se despendiam com aluguéis, e conservam-se também as escolas em lugares apropriados.

 

Ensino da Escrituração Mercantil

A cadeira de escrituração mercantil acha-se vaga desde 17 de outubro último, por demissão concedida ao professor. No espaço de 18 meses, em que ela funcionou, pessoa alguma estranha à escola a que estava junta, quis nela matricular-se. Os poucos meninos da escola de 2º grau que a freqüentaram nenhum aproveitamento tiveram em conseqüência talvez da confusão que lhe causava o ensino simultâneo de muitas matérias. Parece-me que por enquanto, não será conveniente provê-la; e quando o contrário se resolva, que funcione separadamente.

 

Escolas Particulares

O quadro n.º 5 mostra o número das escolas particulares, lugares, nomes dos professores, números de seus alunos, sexo, etc.

Insisto no pedido feito no meu último relatório, de qualquer disposição que abrigue à estes instituidores a apresentarem as provas de capacidade que são exigidas para o magistério público.

Pelo mesmo quadro, vê-se terem estas escolas sido freqüentadas por 186 alunos de ambos os sexos.

 

Instrução Secundária

Existem criadas em toda a Província duas cadeiras de gramática latina sendo uma na Capital regida pelo Reverendo Cônego Manoel Pereira Mendes, que lecionava 20 alunos, dos quais 8 aprenderam ao mesmo tempo o Francês, e outra na Vila de Poconé, vaga a mais de um ano.

Continuo a pensar, como expus no meu último relatório, que a conservação da cadeira da capital é supérflua, visto haver no Seminário semelhantes cadeiras.

 

Orçamento

A despesa com instrução pública para o ano passado foi orçada em 15:050$000, e a efetiva computadas as quantias por se pagarem, não excedeu à 12:668$718, havendo a diferença para menos, de 2:381$219.

A despesa para o corrente de 1861 foi orçada em 14:450$000, e a que se deve fazer no ano de 1862, sobe à 14:340$000 conforme o orçamento junto. Nele contemplo o aumento de 120$000 por ano ao amanuense desta Inspetoria, cujo vencimento é de uma mesquinhez, talvez sem exemplo, e Não correspondente ao seu trabalho.

Tendo assim informado a V. Ex. º haja de desculpar-me as suas imperfeições.

         Deus guarde a V.Exa.

         Inspetoria Geral dos Estudos em Cuiabá, 21 de março de 1861.

Ilmo. Exmo. Sr. Antônio Pedro de Alencastro, digníssimo presidente desta província.

O Inspetor Geral

Joaquim Gaudie Ley

Joaquim Gaudie Ley nomeado pela portaria da Presidência do dia 6 de novembro de 1849.

 

Salários - 1860

Professor da Capital 2º grau            960$000

        “        “      “     1º grau            840$000

        “        “  Pedro  2º grau            600$000

        “        “  Diamantino, Poconé   500$000

        “        “  Outros + distantes      400$000

                      ou poucos alunos

 

 

 

 

[1] Professor no Colegiado de Pedagogia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste, campus de Cascavel. Membro do Grupo de Pesquisa HISTEDOPR (GT local do HISTEDBR), onde desenvolve pesquisa na linha: História, Sociedade e Educação. Historiador e Mestre em Educação pela UFMT. Atualmente é doutorando em Educação pela UFSCAR na área de Fundamentos da Educação, onde desenvolve pesquisa sobre a instrução elementar no Brasil do século XIX.

Período Histórico: