Retiradas as máscaras dos três poderes da República, amplia-se o terror do evento

"Talvez nossa tarefa, nesse contexto, seja muito mais tentar acompanhar, denunciar os desdobramentos de ações concretas desse governo e mobilizar a população, do que propriamente acompanhar os passos do Presidente, em suas performances ensaiadas para distrair a plateia que o acompanha, presencial e virtualmente."

Para quem poderia ter alguma dúvida sobre o fortalecimento do bloco conservador e reacionário do Congresso Nacional, articulado com a atual gestão do STF e com a desfaçatez da PGR e de parte do MPF, para garantir a sustentabilidade de um governo que inaugurou a “Nova Política” com desejo de perenidade no poder, nada mais precisa ser dito, após a eleição da direção da Câmara e do Senado. Pode-se desenhar também, caso a mensagem não tenha sido suficientemente explícita para os partidos que se articulam num bloco, nada sólido, no campo da esquerda. Talvez a representação gráfica pudesse ter como ilustração uma avestruz com a cabeça enterrada na terra.

Vivemos uma angústia coletiva, desde que assumiu a direção do país o atual bloco no poder (milicianos, religiosos de várias confissões, empresários das grandes corporações, que negociam o Brasil no mercado externo, juristas que descumprem a Constituição de 1988, maioria de políticos desqualificados para essa função no parlamento, do ponto de vista técnico e ético).  Mas, tudo isso dito desse modo, claro, não pode ser corroborado pelos segmentos da sociedade civil organizada em torno dos interesses do capital e da leisure class.

Os que fazem críticas tornam-se alvo privilegiado da legião de insanos seguidores dos líderes do obscurantismo e da mediocridade. Um exemplo recente causou-nos espanto. Um vereador da cidade de Sorocaba, integrante do movimento conservador, apresentou um projeto para que seja feito um tipo de cadastro de todos os professores com suas filiações partidárias, a fim de que os pais e estudantes sejam informados acerca das opções políticas dos seus docentes. Depois de ter protocolado, o autor do projeto de lei, publicou nas redes no dia 01 de fevereiro de 2021, a notícia inédita[1].

Outra constatação chocante resulta de pesquisa realizada pela USP e FGV:

Com base em um levantamento exaustivo que analisou 705 discursos, entrevistas e vídeos do YouTube do presidente Jair Bolsonaro, do chanceler Ernesto Araújo, do assessor especial para assuntos internacionais da Presidência, Filipe Martins, do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), e de Damares Alves, ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, além de 1,1 milhão de postagens no Twitter que continham a palavra-chave "globalismo", associado às teorias conspiratórias, foi possível identificar os principais arquitetos e propagadores dessas narrativas em política externa.... https://noticias.uol.com.br/colunas/diogo-schelp/2021/02/04/cupula-bolsonarista-faz-30-dos-tuites-que-promovem-teoria-conspiratoria.htm    (Acesso em 05/02/21)[2]

 

Como educadora, fico perplexa e me perguntando seguidamente: que tipo de exemplo temos dado às novas gerações, para que se aliem a nós, educadores, e aos movimentos sociais que lutam pelos direitos humanos, os direitos trabalhistas, contra a centralização do poder e da riqueza em mãos de 1% da população mundial, cuja equivalência quantitativa existe nos países da periferia do sistema-mundo capitalista, como é o caso do Brasil?

Aqui, a classe dominante corresponde a um reduzido grupo de banqueiros, empresários de grandes corporações e políticos que fazem carreira no Congresso Nacional e dos Procuradores e Juízes que se locupletam, fazendo uso arbitrário do poder e subtraindo recursos do Tesouro Nacional, tal como foi constatado nos recentes episódios da Lava Jato.

Tudo isso já sabemos, repetimos à exaustão durante o ano de 2020, quando se iniciou a pandemia, por meio das redes sociais, em centenas de lives, em artigos publicados por analistas qualificados em diferentes áreas de conhecimento, na mídia alternativa, porém resta a constatação dura de que o deserto do real[3] é muito mais inóspito e ameaçador do que se imagina. A extrema-direita emergiu do pântano com uma voracidade sem limites, ameaçadora, e vai, velozmente, destruindo as bases da frágil democracia que levamos mais de 500 anos, tentando construir.

Talvez nossa tarefa, nesse contexto, seja muito mais tentar acompanhar, denunciar os desdobramentos de ações concretas desse governo e mobilizar a população, do que propriamente acompanhar os passos do Presidente, em suas performances ensaiadas para distrair a plateia que o acompanha, presencial e virtualmente.

Durante a crise pandêmica no país, tem se reproduzido, sistematicamente, cada palavra, cada gesto do atual presidente, em todas as mídias, tradicional e alternativa. Não se precisa fazer maior esforço para concluir que essa prática alçou-o a uma posição de importância destacada, ocupando o centro das atenções de toda a sociedade. Esse efeito tem reforçado a dimensão egóica de sua personalidade complexa.

Temos lutado para fazer o movimento de impedimento ganhar proporções ampliadas, fazendo pressão sobre o Congresso Nacional e, sem dúvida, essa tática precisa ser mantida, de forma que os deputados e senadores possam ter evidências de que existe uma mobilização maciça de amplos setores da sociedade, no sentido de intervir nos rumos dados ao Brasil, em meio a uma crise cada vez mais profunda.

A economia não tem condição de ser reativada. As medidas implementadas destruíram os direitos trabalhistas e reduziram a renda da maioria dos trabalhadores do setor de serviços; no setor secundário, o fechamento de fábricas estratégicas para a garantia de empregos na indústria, estão sendo levadas a cabo; a suspensão do auxílio emergencial faz crescer a fome e a miséria, de modo vertiginoso.

Por outro lado, cresceu a renda dos mais ricos, como se pandemia tivesse produzido uma série de “janelas de oportunidades” para fazerem multiplicar ações, negócios, riqueza, sem que nada tenha se alterado, de fato, no setor produtivo, confirmando a hegemonia do capital financeiro.

Além desse segmento consolidado da burguesia, os próprios integrantes do executivo nas funções comissionadas e em cargos criados pelo atual governo, legislativo e judiciário apresentam salários avantajados frente a pauperização da classe média, nas camadas média e baixa, constituída por profissionais autônomos e servidores públicos cuja renda tem decrescido ano após ano, sem chance de recomposição.

Gastos do governo não justificados se evidenciam no funcionamento do Palácio do Planalto e na compra de alianças com os políticos, cuja tradição de práticas de ilicitudes ilustra toda a história recente da República, cada vez mais ultrajada, com seu povo cada vez mais vilipendiado, sem encontrar meios de conter a devastação que se realiza, de modo desmedido, no meio-ambiente, nas comunidades das populações indígenas e quilombolas.

A mercê de políticas que não se concretizaram em prazos factíveis e nem com as configurações demandadas diante da crise pandêmica, mais de 220.000 pessoas foram a óbito. A dimensão dessa perda irreparável pode ser avaliada, quando se pensa que a maioria das cidades brasileiras têm, até em torno, de 20 a 30.000 habitantes. Isto é, os que morreram em consequência da política genocida correspondem ao desaparecimento completo de populações de cidades do Brasil, classificadas como de porte médio, quer dizer entre 100 e 500 mil habitantes.

Para que se altere substancialmente esse contexto, será necessário enfrentar de modo sistemático o atual governo, questionando as medidas econômicas e políticas e seus efeitos na vida cotidiana dos cidadãos comuns, porque já sabemos que no orçamento do Palácio do Planalto os gastos são milionários, portanto, não há escassez em nenhum aspecto, muito pelo contrário os itens das notas fiscais, que desapareceram rapidamente do site da transparência, mostram como estamos sendo assaltados literalmente, afinal os recursos utilizados não são do governante, mas da população que paga impostos e alimenta o cofre do Tesouro Nacional.

Esse uso indiscriminado dos recursos num país em que 26,5% da população[4] passa fome, expressa o escárnio do governante com a população a quem se dedica, diariamente, a conclamar contra a vacina, deixando que se avolume o número de óbitos, como um fato natural, uma vez que todo mundo morrerá um dia, segundo sua visão genocida.

Nos próximos meses de 2021, ano em que será decisiva a mobilização dos segmentos da sociedade civil comprometidos com as lutas sociais, será muito importante colocar em pauta algumas propostas estratégicas. Por exemplo:

Para modificar o modelo econômico concentrador de renda e riqueza será necessário modificar o modelo tributário para que se transforme em instrumento efetivo de justiça fiscal e distribuição de renda; alterar a política monetária para que atue em favor dos interesses do país e do povo, e não apenas do setor financeiro, e rever completamente a exploração mineral predatória e agronegócio voltado para exportação, dentre outras medidas. [5]

Ficará cada vez mais comprometido o desenvolvimento do país, em favor das classes trabalhadoras, se ocorrer a aprovação da PEC 32 da Reforma Administrativa, como alerta a Auditoria Cidadã em Carta[6] encaminhada no dia 1º de fevereiro às Autoridades do Poder Executivo e aos Parlamentares. Destacando-se o quarto parágrafo da primeira página desse documento, lê-se:

A PEC 32 traz, de fato, uma Reforma Ideológica que modifica profundamente o papel do Estado, o qual passa a ser regido prioritariamente pelo mercado e seus interesses privados voltados para a obtenção de lucros. Tal assertiva fica evidenciada em diversos dispositivos da PEC 32, mas principalmente com a inclusão da “Subsidiariedade” entre os princípios que devem reger a administração pública (Art. 37 da CF). Segundo tal princípio, o Estado passa a atuar de forma subsidiária, ou seja, “nas sobras”, onde o setor privado não tiver interesse em atuar. Assim, a PEC 32 segue a ideologia dos que acreditam que o mercado seria capaz de dar respostas às demandas sociais, quando se sabe que o setor privado visa o lucro, e não o atendimento universal das necessidades da sociedade, o que tem ficado ainda mais evidente durante a atual pandemia.

Urge que se realize mais uma campanha contundente para fazer a interrupção desse processo, já avançado de desmonte do que resta do Estado “Social”, que vem sendo completamente subsumido pelas forças do mercado em âmbito nacional e internacional. Se não houver uma reação contundente das classes trabalhadoras, na realização de um calendário de lutas programadas, durante todo o ano de 2021, teremos um ano de 2022, ainda mais tenebroso, com a ameaça concreta de uma reeleição do OGRO.

 

[1] Notícia veiculada na lista do Histedbr em Debate.

[2] Sem surpresa alguma, são eles Ernesto Araújo, Filipe Martins e Eduardo Bolsonaro, a tríade da formulação da política externa bolsonarista. Os três usam com frequência as expressões "globalismo", "instituições internacionais", "China" e "marxismo", geralmente combinando as quatro em falas de alto teor conspiracionista. ... - Veja mais em https://noticias.uol.com.br/colunas/diogo-schelp/2021/02/04/cupula-bolsonarista-faz-30-dos-tuites-que-promovem-teoria-conspiratoria.htm

[3] Referência feita à frase de Morpheus: “Bem-vindo ao deserto do real” ao saudar o líder da resistência no filme Matrix (1999), produzido pelos irmãos Wachowski.

[4] Fonte: IBGE. Síntese de Indicadores Sociais, 2018.

[5] FATORELLI, M.L. A “Economia de Francisco” e o Sistema da Dívida.  Acesso em 21/02/2021. www.auditoriacidada.org.br.

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