Interlocuções acadêmicas: diálogos sobre a Educação Nova na formação de jovens infratores na França e no Brasil

Os resultados demonstram que o conjunto das iniciativas educativas, em colaboração com o setor privado, revela uma tendência centralizadora e individualista das pedagogias “inovadoras”, centradas no slogan “aprender a aprender”, propondo uma formação humanista e acolhedora, mas que, ainda assim, reproduz uma marginalização que priva os jovens em conflito com a lei de uma formação por meio da qual o legado da humanidade se transmite e se enriquece através da mediação cultural.

O Grupo HISTEDBR, por meio da pesquisa de pós-doutorado de Julio Cesar Francisco, sob supervisão de Dermeval Saviani e com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), iniciou aproximações e colaborações com diversas instituições francesas para conhecer e analisar a educação de adolescentes e jovens privados de liberdade no Centre Éducatif Fermé da região parisiense. Entre as instituições acadêmicas interlocutoras, destaca-se o Groupe de Recherche sur la Démocratisation Scolaire - GRDS, cujo coordenador é o Prof. Jean-Pierre Terrail, bem como o grupo Éducation familiale et interventions sociales auprès des familles - Efis, da Université Paris-Nanterre, cujo principal contato é o Prof. Gilles Séraphin.

O GRDS é um agrupamento autoconstituído de pesquisadores profissionais e não profissionais, sendo estes últimos oriundos do movimento sindical e/ou político. Seu objetivo é contribuir, por meio de seus trabalhos, textos e publicações, para a democratização escolar, autogerindo suas atividades nesse sentido. Considerando a escola como uma grande questão política, busca apropriar-se dos temas relacionados à sua transformação democrática com toda a audácia intelectual e a liberdade de espírito necessárias. Esse é um dos poucos grupos de pesquisa e de ação militante na área da educação, dedicado à defesa da escola pública e à valorização de um ensino com rigor intelectual para todos, aproximando-se das reivindicações e reflexões que o HISTEDBR tem desenvolvido no contexto brasileiro.

Por sua vez, o Efis (na Université Paris-Nanterre) tem se destacado sobretudo aos temas de pesquisas que ocorrem em torno da escola, aproximando das discussões e das colaborações sobre as pedagogias alternativas. Os trabalhos de pesquisa atuais do Efis abrangem diversos eixos que contribuem para o desenvolvimento do conhecimento no campo internacional da educação familiar e escolar: dispositivos de acompanhamento; pedagogia das emoções; apoios à parentalidade; trajetórias de crianças e adolescentes; autonomia dos jovens; família na escola; proteção da infância; saúde e educação; processos de decisão; interculturalidade.

Como ponto de partida dessas colaborações, foram traduzidos ineditamente para o francês dois artigos de Dermeval Saviani e um artigo produzido por Marcos Francisco Martins.

O primeiro texto publicado por Dermeval Saviani foi intitulado “Sur la nature et la spécificité de l’éducation”, amplamente conhecido e debatido por educadores brasileiros. Como podemos observar, apoiando-se em uma reflexão sobre o estatuto da educação para a espécie humana e sobre o que se pode deduzir daí a respeito da educação propriamente escolar, Saviani toma certa distância em relação à “educação nova” (Cf. <Sur la nature et la spécificité de l’éducation - Démocratisation scolaire>).

O segundo texto publicado por Dermeval Saviani, intitulado “Pédagogie histórico-critique et pédagogie de la libération: proximités et divergences”, apresenta os princípios de sua própria abordagem histórico-crítica em relação à maneira como seu compatriota e antecessor Paulo Freire trata a questão da educação. As relações entre essas duas perspectivas sobre o tema educativo, que revelam convergências e divergências, são analisadas tanto no plano de seus fundamentos filosóficos quanto no de suas recomendações pedagógicas. (Cf. <Pédagogie historico-critique et pédagogie de la libération : proximités et (...) - Démocratisation scolaire>).

O terceiro texto, de Marcos Francisco Martins, intitulado “Freire et Saviani: proximités et divergences entre la pédagogie de la libération et la pédagogie historico-critique”, busca trazer novas reflexões sobre as diferenças e aproximações em relação à proposta pedagógica de Paulo Freire, além de investigar as aderências que ambos mantêm com o marxismo. Trata-se de um texto fundamental para a compreensão das origens dessas duas pedagogias socialistas (Cf. <Freire et Saviani, pédagogie de la libération et pédagogie historico-critique - Démocratisation scolaire>).

É nesse debate teórico, voltado à construção de uma pedagogia socialista e à defesa da democratização escolar, que a pesquisa desenvolvida por Julio Cesar Francisco se insere nos estudos entre Brasil e França, com ênfase na formação de jovens em conflito com a lei e sob tutela do Estado.

Com os desdobramentos da pesquisa em curso, vinculada à Université Paris-Nanterre e ao Grupo Éducation familiale et interventions sociales auprès des familles - Efis, e com a aprovação do trabalho de campo junto à Protection Judiciaire de la Jeunesse - PJJ, Julio passou a estudar um novo modelo de gestão da privação de liberdade em unidades de internação, concebido como uma estrutura inovadora e como a última medida judicial alternativa ao presídio juvenil na França.

De fato, pelas observações realizadas na região parisiense, pode-se afirmar que se trata de um equipamento "socioeducativo" humanizador, que facilita um acompanhamento terapêutico e psicológico, numa perspectiva o mais radical possível, produzida na esfera da Pedagogia Nova.

Entretanto, os resultados demonstram que o conjunto das iniciativas educativas, em colaboração com o setor privado, revela uma tendência centralizadora e individualista das pedagogias “inovadoras”, centradas no slogan “aprender a aprender”, propondo uma formação humanista e acolhedora, mas que, ainda assim, reproduz uma marginalização que priva os jovens em conflito com a lei de uma formação por meio da qual o legado da humanidade se transmite e se enriquece através da mediação cultural. Em outras palavras, os jovens não têm acesso nem direito à escola durante o período em que permanecem no Centre Éducatif Fermé, visando à construção de projetos de vida que favoreçam a descoberta, por eles mesmos, de novos saberes e de alternativas à existência marginal, a partir dessas novas experiências de convivência em um espaço “terapêutico”, incentivado pelos princípios da filosofia do vivre-ensemble e faire-avec.