Do Abril Vermelho às Jornadas Universitárias em Defesa da Reforma Agrária

Diante desse contexto, as Jornadas Universitárias em Defesa da Reforma Agrária têm se constituído em importante momento de luta na defesa da educação tanto dos trabalhadores do campo como da cidade.

*Luiz Bezerra Neto

Flávio Reis dos Santos

 

Aos 17 dias do mês de abril de 1996, cerca de mil e quinhentas pessoas estavam acampadas na Curva do “S” em Eldorado dos Carajás, no estado do Pará, em luta pela Reforma Agrária. Os trabalhadores rurais reivindicavam a desapropriação da Fazenda Macaxeira considerada improdutiva pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O governador Almir Gabriel do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) ordenou expressamente à Polícia Militar que realizasse a desobstrução da rodovia PA-150. A tropa com 155 policiais abriu fogo contra os acampados, resultando na morte de 19 trabalhadores rurais e mais de 70 feridos.

A partir do “Massacre de Eldorado dos Carajás”, o MST passou a organizar jornada anual de luta em defesa da reforma agrária e em denúncia das violências contra os trabalhadores rurais sem terra e de lideranças políticas, sindicais e dos movimentos sociais, denominada “Abril Vermelho”. Em 2013, por ocasião da realização do II Encontro Nacional de Professores Universitários com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, ficou estabelecido que as universidades, núcleos de pesquisa e grupos de trabalho da reforma agrária e em defesa dos movimentos sociais do campo empreenderiam ações durante as jornadas do Abril Vermelho dando origem à Jornada Universitária em Defesa da Reforma Agrária (JURA), que atualmente conta com a participação de mais de 70 Instituições de Ensino Superior (IES) de todas as regiões do Brasil (BOGO; CARVALHO, 2019). Apesar da alteração da denominação das jornadas, os objetivos do “Abril Vermelho” não se perderam e a realidade pouco se transformou.

O dia 17 de abril tornou-se simbólico não apenas pelo fato de policiais de um estado governado pelo PSDB ter assassinado os trabalhadores rurais, mas, também porque foi o dia escolhido por seus integrantes, em conluio com o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) e demais partidos que representam a “elite do atraso” escolheram para a aprovação pela Câmara dos Deputados para a votação do processo golpista que deporia do poder a presidente Dilma Vana Rousseff no ano de 2016, abrindo caminho para a destruição de nossa frágil democracia, bem como para a usurpação dos direitos trabalhistas e previdenciários duramente conquistados pela classe trabalhadora ao longo de muitas décadas.

Não podemos desvincular o golpe sobre uma presidenta democraticamente eleita – contra a qual não pesava nenhum crime, a não ser a farsa das “pedaladas fiscais” – e a permanente violência, crimes e assassinatos de trabalhadores rurais. Assim como, não é possível desvincular o golpe empreendido pela “elite do atraso” do exponencial crescimento da destruição da floresta amazônica e do cerrado, com destaque para o substancial aumento da invasão de terras indígenas por garimpeiros ávidos por metais preciosos e a exploração do trabalho em condições análogas à escravidão que, muitas vezes envolve lideranças políticas e/ou econômicas ligadas aos membros dessa burguesia.

Não por acaso, grande parcela dos golpistas e seus apoiadores estão ligados à estrutura que passou a controlar o aparelho do estado tanto em nível federal quanto estadual e municipal em todo o país. Também, não podemos ignorar que os conflitos de terras no Brasil, o aumento da pobreza e o assassinato das populações que vivem no campo, sobretudo, indígenas têm se intensificado, estando diretamente ligadas ao golpe e aos interesses dos golpistas conforme demonstra o relatório do Centro de Documentação da Comissão Pastoral da Terra (CPT).

Os assassinatos de trabalhadores, a destruição de direitos e da própria democracia têm servido para o acúmulo de riquezas nas mãos de alguns poucos capitalistas, protegidos pelas ações do Estado e de inúmeros governantes na defesa de seus interesses e na impunidade de seus crimes, promovendo o crescimento da violência, como aponta o relatório da CPT, ao demonstrar que houve um aumento de 1.044% nas mortes em consequência de conflitos no campo quando comparamos os anos de 2020 e 2021, apenas para ficarmos nos últimos anos (PATRIOLINO, 2021).

De acordo com a Comissão pastoral da terra, o número de indígenas assassinados durante o ano de 2021 saltou de 9 para 103, sendo 26 assassinatos e 101 eram da etnia yanomami, terras em que há maior cobiça pela terra para a retirada de minérios, principalmente o ouro –, sendo 26 assassinatos (PATRIOLINO, 2021). “A CPT também quantificou a forma como essas violências ocorreram. Um dado de destaque foi o número de ‘impedimento do acesso às áreas de uso coletivo’, que subiu 1056,91%”. Na sequência temos a expulsão de pessoas das terras (152,61%), a pistolagem (117,63%) e a grilagem (113,44) (PATRIOLINO, 2021, p. 3).

Ações e situações promovidas pelo discurso do atual presidente da república, que desde quando era candidato em 2018 afirmava que os trabalhadores deveriam escolher entre ter empregos ou ter direitos trabalhistas, já remetendo para a possibilidade da destruição do que restava da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e da previdência social.

Nessa esteira de destruição, o presidente atual afirmava também que durante o seu governo, nenhum milímetro de terras indígenas seria demarcado, o que prenunciava o acirramento da violência no campo. Com um discurso de ódio contra aquilo que denominou de marxismo cultural nas universidades, prenunciava-se ainda a destruição da educação em todos os seus níveis, mas principalmente, a educação superior, por meio da condenação e negação da ciência e das universidades que a cada ano veem suas verbas reduzirem.

Diante desse contexto, as Jornadas Universitárias em Defesa da Reforma Agrária têm se constituído em importante momento de luta na defesa da educação tanto dos trabalhadores do campo como da cidade. A implementação das políticas de ações afirmativas tão condenadas pela burguesia que veem a universidade como um espaço exclusivamente seu, entendendo que a classe trabalhadora ao acessá-la estaria usurpando um direito que somente os detentores dos meios de produção deveriam ter. Por isso, esta luta deve ser encarada como uma luta de todos e não apenas dos trabalhadores do campo.

 

Referências

PATRIOLINO, Luana. Conflitos por terras: mortes aumentaram mais 1000%, aponta relatório. Correio Brasiliense, 10 dez. 2021. Disponível em: <https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2021/12/4969969-conflitos-por-terras-mortes-aumentaram-mais-de-1000-em-2021-aponta-relatorio.html>. Acesso em: 3 mai. 2022.

BOGO, Maria Nalva Rodrigues de Araújo; CARVALHO, Luzeni Ferraz de Oliveira. Jornada Universitária em defesa da reforma agrária: algumas reflexões. Cadernos Macambira, v. 4, 2, 2019. Disponível em: <https://revista.lapprudes.net/index.php/CM/article/view/385/373>. Acesso em: 4 mai. 2022.

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