A crise imobiliária de 2008 e a política internacional estadunidense

É no interior desses conflitos em torno do controle do petróleo que se insere a pressão política gerida pelos Estados Unidos e grupos econômicos europeus interessados na desmoralização da Petrobras e a consequente desvalorização maciça do valor de suas ações no mercado internacional favorecendo os interesses dos grupos financeiros interessados em sua privatização.

A instauração da crise imobiliária em 2008 afetou todo o planeta acirrando as disputas pelo controle das matérias primas e novos mercados como condição para a sua superação. A crise teve sua gênese nas dificuldades domésticas estadunidenses em estabilizar o mercado imobiliário e financeiro. Os Estados Unidos passavam até então por um forte crescimento imobiliário em virtude da expansão do crédito em sua forma hipotecária, forma de transação comercial à qual o imóvel dos mutuários era exigido como garantia para o pagamento das dívidas adquiridas. Inicialmente, a elevação do crédito fez com que os preços dos imóveis disparassem, elevando o volume de negociações no setor. O fetichismo crescente no setor fomentou a ação dos mutuários em adquirir novos imóveis renovando seus empréstimos em valores maiores àqueles que já haviam obtido.

A disponibilidade irrestrita do crédito imobiliário cresceu de forma incontrolada atingindo, inclusive o segmento "subprime" composto, segundo os bancos, por uma parcela de mutuários com menores garantias de quitação dos empréstimos. A elevação da inadimplência fragilizou de forma gradativa a liquidez bancária inviabilizando um conjunto de ações financeiras adotadas para contornar os impactos da crise.

A tentativa dos bancos privados em venderem as hipotecas sob sua gestão para os bancos de investimento não surtiram os efeitos esperados. O agravamento da recessão econômica reduziu o volume de vendas e dos preços dos imóveis, inviabilizando a execução das hipotecas e a revenda dos imóveis alienados aos bancos como forma de quitar as dívidas dos mutuários. Esse processo afetou a liquidez dos bancos privados, consolidando a possibilidade concreta de falência generalizada, cujos desdobramentos atingiriam, sobremaneira, o próprio setor produtivo.

Com a fragilização da liquidez dos bancos, o processo metabólico reprodutivo do capital foi afetado com desdobramentos implacáveis tanto no interior como além das fronteiras estadunidenses. Internamente, a quebra do processo reprodutivo do capital proporcionou que a crise imobiliária atingisse toda a economia estadunidense, comprometendo a capacidade de financiamento dos bancos na produção e os próprios fundos de pensão nos EUA. Externamente, atingiu toda a economia mundial dada a centralidade dos Estados Unidos no mercado financeiro internacional. A crise nos bancos estadunidenses retraiu o oferecimento de crédito pelos bancos internacionais diminuindo o volume da produção e o comércio em boa parte do planeta.

Essa dinâmica aparentemente desconexa se explica essencialmente na construção gradativa de estratégias políticas para a superação da crise de 2008 visando garantir a centralidade na economia estadunidense independente dos impactos na periferia do capitalismo. O objetivo foi construir estratégias governamentais em âmbito nacional e internacional para proteger as empresas estadunidenses e garantir a pressão diplomática internacional na garantia dos seus interesses políticos. O endurecimento das ações diplomáticas dos Estados Unidos implicou em elevar sua influência política em diferentes regiões do planeta e enfraquecer o crescimento e expansão dos países rivais.

As pressões diplomáticas realizadas pelos Estados Unidos se explicam em uma totalidade que transcende as suas fronteiras. Tomando como referência a expansibilidade incontrolável das formas reprodutivas do capital, tal qual demonstrado por Marx em "O livro terceiro de O Capital", o controle de diferentes regiões do planeta impacta na manutenção da hegemonia política e econômica estadunidense nas próximas décadas. É no interior desses conflitos em torno do controle do petróleo que se insere a pressão política gerida pelos Estados Unidos e grupos econômicos europeus interessados na desmoralização da Petrobras e a consequente desvalorização maciça do valor de suas ações no mercado internacional favorecendo os interesses dos grupos financeiros interessados em sua privatização. Por um lado, a desvalorização de suas ações possibilita, em caso de sua privatização, a compra da Estatal em valores reduzidos. Por outro lado, a compra de ações da Petrobras com preços reduzidos, tendo como referência o potencial econômico do Pré–Sal avaliado em U$ 3 trilhões, possibilita a obtenção de lucros com a possível valorização dessas mesmas ações no futuro. Um negócio altamente rentável sustentado nas tendências expostas no final do século XX e início do XXI de crescentes movimentos manifestos na elevação constante da acumulação do capital em sua forma financeira por frações de classe burguesas nacionais e internacionais.

Esta ação se explica na dinâmica do mercado e as ideologias políticas que o justificam. A retomada do pensamento liberal assentada nos princípios da “Escola de Chicago”, à qual o mercado e a concorrência são as chaves para a superação de crises econômicas, coloca como atores grupos econômicos e financeiros alicerçados pelo poderio político e militar dos Estados aos quais ainda possuem vínculos em uma constante pressão sobre a periferia do capitalismo.

Esses atores agem no intuito de inviabilizar o surgimento de novos atores, negando a essência da participação e liberdade aos moldes do mercado liberal. A constante pressão diplomática impacta na luta constante para manter o controle sobre a periferia agindo no intuito de conquistar o apoio de frações de classe burguesas nacionais simpáticas a esse projeto. A pressão diplomática voltada a limitar a influência política brasileira na América Latina e na costa oeste da África relacionada à redução da participação do país no mercado petrolífero internacional interligada à construção de alianças diplomáticas com países em conflito com os Estados Unidos exemplifica essa afirmação.

Estes são os fundamentos que legitimaram a construção e apoio estadunidense ao fomento da extrema-direita no Brasil, tendo como principal ação o apoio ao bolsonarismo.  Ao contrário dos discursos políticos centrados no fomento ao “patriotismo” e na alternativa que só existe na imaginação do “Barão Munchausen” , o que está em curso é um processo de subjugação brasileira aos interesses econômicos e políticos estadunidenses, em que a desindustrialização, pauperização e barbárie social são os principais desdobramentos.

 

Referências

Lucena, Carlos; Previtali, Fabiane; Lucena, Lurdes (Orgs.). A crise da democracia brasileira. Uberlândia, Navegando Publicações, 2017

Karl, Marx. O capital – Livro 3 – crítica da economia política. O processo global da produção capitalista. SP: Boitempo, 2017

 

 

 

 

Imagem: